SUPREMA SELETIVIDADE
Os ministros do Supremo Tribunal Federal poderão dispor de mais 36 funcionários e 10 juízes, convocados para acelerar os processos da Lava Jato. A medida seria louvável, não fosse a seletividade.
Há 46.531 processos em tramitação, a enorme maioria –30.419– em fase recursal. Há 5.681 casos relacionados a temas criminais, como habeas corpus, ações penais e inquéritos. Já as ações de controle concentrado, ou seja, as que versam sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis, ou que questionam o descumprimento de preceitos fundamentais da Carta Magna, somam 2.272 casos que aguardam definição da Corte.
A sensível questão sobre o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de remédios de alto custo não incluídos na Política Nacional de Medicamentos aguarda julgamento pelo STF há uma década, sem que a demora suscite incômodo na corte.
O recurso extraordinário sobre descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, cuja repercussão geral já foi reconhecida, ainda não teve desfecho. São inúmeras as causas que demandam a atuação do STF em sua essência, já que é dele o monopólio da última palavra em matéria de interpretação constitucional, e suas decisões têm impacto coletivo, de alta relevância para o país.
Emblemáticas ou não, há toda sorte de demandas antigas à espera de definição. Qual critério para preteri-las? Há algum dado a indicar que a lentidão, no processamento dos casos da Lava Jato, é maior do que a dos demais? Decerto, não.
A sobrecarga do STF não decorre da Lava Jato. A morosidade dos julgamentos já rendeu acalorados debates entre os ministros. A preocupação com a razoável duração do processo —preceito válido a todos os indivíduos, sejam eles beneficiários da prerrogativa de foro ou não— deveria gerar uma profunda análise sobre a atuação da mais alta corte e ensejar medidas para uma aceleração processual sem distinção.
Ninguém discordará de iniciativas que adotem critérios específicos para a prioridade na tramitação de processos (não há ordem de julgamento no STF, de modo que uma causa pode ser decidida dias ou anos após a autuação) ou que ampliem o número de sessões de julgamento, atualmente reduzidas a apenas duas por semana e —o que é mais incompreensível— exclusivamente na parte da tarde.
Talvez pudesse ser bem-vinda a redução do longo recesso judicial ou aplaudida a generosidade do ministro que dedicasse ao menos um dos seus dois meses de férias para redigir os votos de julgamentos suspensos por pedidos de vista por meses ou anos, no aguardo de sua manifestação.
Como nada disso foi proposto, o “tour de force” para julgar ações da Lava Jato, a menos de um ano de um delicado processo eleitoral, parece mais uma atuação política do STF, algo perigoso num país em ebulição.
A corte parece submeter-se aos apelos midiáticos que ecoam a “sensação de impunidade” da população. A “celeridade”, como palavra de ordem, soa como música aos que clamam por punição, mas como grito de alerta aos que conhecem os atropelos típicos dos mutirões que, não raro, ao estabelecerem critérios políticos (e não jurídicos) para a seleção do que deve ser priorizado, desrespeitam o devido processo legal e as garantias dos imputados a um processo justo.
A seletividade na escolha deste ou daquele caso a ser priorizado, sem qualquer critério técnico, é sempre danosa à sociedade, pois pode atender ao interesse público, ou não. Ao privilegiar apenas casos da Lava Jato, o STF parece desvirtuar o mandamento da isonomia e dizer que “todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros”, como na obra “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell.